Ela estava aborrecida. Teria companhia só até a metade do caminho de volta para casa.
Sexta-feira, feriado na segunda, o fretado contratado deu o cano e, como tudo e todos nessa cidade maldita, culpou o trânsito.
Como se realmente ainda fosse possível para qualquer paulistano culpar o trânsito por qualquer coisa. Ele era sempre caótico, especialmente ruim às sextas. Bobagens, coisa de gente sem compromisso e ela detestava gente sem compromisso, talvez porque fosse comprometida demais consigo mesma.
Se despediu do amigo com um beijo no rosto enquanto sentia o mau-humor aumentar. Subiu as escadas da estação de metrô, mochila nas costas e logo na catraca o viu.
Pálido, muito pálido. Um tanto quanto magro demais, cavanhaque no melhor estilo cafajeste ou 'acredito ser um grande sedutor'. Talvez ele fosse.
Mas foi o conjunto que a fez encará-lo por mais tempo do que seria educado. Foi mal interpretada, ele sorriu. Ela viu os dentes pontudos se destacarem dos demais, isso reforçou sua impressão: ele parecia um vampiro.
Não um vampiro de hoje em dia, um daqueles dos anos 90, quando eles ainda davam medo e não tinham aprendido a brilhar.
Deveria ter imaginado que aquele era um sinal. Sinal de que as duas quadras e meia que teria de caminhar até chegar em casa seriam longas. Mas não imaginou.
Saiu da estação, escuro e um tanto assustador como seria de se esperar às 23:30 no centro velho de São Paulo.
Passou pelo bar logo na primeira esquina, último ponto que tinha certeza estaria movimentado.
Seguiu, alguns passos mais tarde viu uma sombra, olhou para trás. Um cara franzino, vinte e poucos anos. Dois amigos conversavam alto logo em frente. Não sentiu medo. Mais alguns passos e o rapaz franzino tentou puxar a alça da sua mochila cor de rosa choque. Apressou o passo enquanto chacoalhava a cabeça, pensando nos malucos nessa cidade.
Não achou que seria assaltada, esfaqueada, estuprada. Não, teve a nítida impressão de que ele gostara da mochila e só.
Quase em casa. Não tinha sido tão ruim.
A meia quadra do portão do prédio eis que surge um sujeito, sacola de supermercado nas mãos, gorro na cabeça e pit bull na coleira. O cachorro late e avança, sem focinheira. Desta vez ela se assusta, já não gosta de cachorro. O dono segura o cão e sorri:
"Ele é manso"
Tem vontade de discordar mas só sorri em resposta e dá a volta, bem longe do cachorro.
Mais alguns passos, olha para o céu. Nenhuma estrela, nenhuma lua. Tempo feio.
Sorriu, talvez se o tempo estivesse aberto pudesse ver a lua. Lua cheia é claro! Só poderia ser noite de lua cheia para as ruas estarem cheias de malucos estranhos.